Com muita honra, compartilho aqui artigo assinado pelo doutor Benedito Lopes da Fonseca, originalmente publicado no Jornal Tribuna. É de extrema importância compartilharmos informações seguras, que salvam vidas! Doutor Benedito Fonseca é uma autoridade nacional e mundial na área de imunologia, infectologia e virologia, especialidades nas quais tem formação robusta e prática no nosso HC.
Leia!
A importância da vacinação no controle das doenças infecciosas
O ser humano convive com as doenças infecciosas desde os tempos imemoriais e os organismos causadores de doenças, de várias maneiras, moldaram a evolução humana, pois em muitos aspectos, a história da humanidade é uma luta contra as doenças infecciosas. Epidemias causadas por microorganismos dizimaram populações, como a Peste Negra ou Peste Bubônica, causada pela bactéria Yersinia pestis, que foi responsável pela morte de 30-60% da população europeia, no século 14.
Depois disso apareceram outras doenças que causaram muito sofrimento na população até que, para algumas destas doenças, foram produzidas vacinas, produtos farmacêuticos que estimulam as nossas defesas contra os microorganismos e as ensinam como proteger contra eles, um conceito denominado indução da imunidade. Na verdade, poucas intervenções obtiveram um impacto tão profundo e transformador na batalha contra esses microorganismos invasores, como teve a vacinação. Antes do surgimento da vacinação, doenças infecciosas como varíola, poliomielite, sarampo e difteria eram comuns, causando sofrimento, incapacitação e morte em larga escala.
A varíola, em especial, foi um flagelo responsável por cerca de 300 a 500 milhões de mortes, apenas no século XX, deixando sobreviventes desfigurados ou cegos. O conceito de expor deliberadamente um indivíduo a uma forma enfraquecida ou inativa de um patógeno para induzir imunidade, idealizado por Edward Jenner com a varíola no final do século XVIII, lançou as bases para a prevenção das doenças com o uso das vacinas. O impacto mais direto e evidente da vacinação é a redução dramática e, em alguns casos, a erradicação de doenças que antes assolavam a humanidade. A varíola, por exemplo, doença que afligiu a humanidade por milênios, foi oficialmente declarada erradicada pela Organização Mundial da Saúde em 1980, um feito monumental, possível apenas por causa de uma campanha global de vacinação.
De modo semelhante, a poliomielite, doença temida por causar paralisia e morte, está em vias de erradicação, restando apenas alguns países onde a doença ainda ocorre. Histórias do sucesso das vacinas na redução da gravidade das doenças se estendem ao sarampo, caxumba, rubéola, difteria, tétano, coqueluche e hepatite B, todas com taxas de incidência (ocorrência) em queda acentuada em países com alta cobertura vacinal. Esse declínio no ônus das doenças previne não só o sofrimento individual, mas também alivia uma imensa pressão sobre os sistemas de saúde, liberando recursos para outros desafios.
Um outro conceito, denominado “imunidade de rebanho”, refere-se a um fenômeno que ocorre quando uma porção significativa da população adquire imunidade a uma doença, tornando improvável sua disseminação. Quando a “imunidade de rebanho” é atingida, ela protege não apenas a pessoa vacinada, mas também, indiretamente, pessoas que não podem ser vacinadas, como bebês pequenos, imunocomprometidos ou pessoas com contraindicações médicas. Essa característica das vacinas é vital para proteger os membros mais vulneráveis da sociedade, ressaltando o papel da vacinação como um bem comunitário, e não apenas uma escolha pessoal.
O enfraquecimento da imunidade de rebanho devido à queda nas taxas de vacinação, muitas vezes impulsionada por desinformação, já provocou ressurgimentos de doenças antes controladas, como por exemplo, os surto de sarampo nos Estados Unidos, evidenciando o equilíbrio delicado mantido pela vacinação. Além disso, os benefícios econômicos e sociais da vacinação são igualmente importantes, pois reduzem os custos relacionados a tratamentos, hospitalizações e cuidados de longo prazo relacionados às sequelas deixadas pelas doenças; minimiza a perda de produtividade devido às doenças, permitindo que pessoas permaneçam ativas no trabalho e crianças frequentem a escola sem interrupções. Isso contribui para uma população mais saudável e produtiva, fomentando estabilidade e crescimento econômico.
Portanto, o real impacto da vacinação no controle de doenças infecciosas é quase que indescritível. Apesar de desafios recentes, como o aumento da hesitação vacinal e a necessidade de pesquisa contínua sobre novos patógenos, a história nos mostra que, inequivocamente, a vacinação se constitui em uma das mais importantes medidas da medicina moderna e uma ferramenta indispensável na busca por um futuro mais saudável. Os avanços no conhecimento da biologia molecular permitiram um melhor entendimento da constituição dos vírus e de seus mecanismos de replicação auxiliando na produção de vacinas de “nova geração” como as vacinas de RNA; vacinas em que proteínas de um vírus é produzida por um outro vírus que não causa doença no ser humano; ou vírus que está enfraquecido, de propósito, para não causar doença.
O exemplo mais recente do uso global das vacinas foi no controle da pandemia de COVID19, com o uso de vacinas contra o vírus causador desta doença, o SARS-CoV-2. O rápido desenvolvimento e implantação de diferentes tipos de vacinas contra o SARS-CoV-2 representaram uma conquista científica monumental, alterando fundamentalmente a trajetória da pandemia da COVID-19.
As vacinas de mRNA, especialmente Pfizer-BioNTech e Moderna, destacaram-se pela rapidez inédita de desenvolvimento e alta eficácia. Essas vacinas, se caracterizam pela produção de um RNA mensageiro (mRNA), material genético responsável por produzir proteínas nas células e que não penetra no núcleo das células humanas, resultam na produção da proteínas que são codificadas por esses mRNAs. No caso das vacinas contra a COVID-19, essas vacinas de mRNA produzem a proteína de superfície do vírus SARS-CoV-2, denominada proteína spike.
O sistema imunológico então reconhece essa proteína como estranha ao nosso organismo e monta uma resposta imune potente, facilmente detectada pela produção de anticorpos. Ensaios clínicos cuidadosamente planejados produziram dados que demonstraram alta eficácia na prevenção de infecções sintomáticas, reduzindo significativamente a probabilidade de transmissão do SARS-CoV-2. Ao prevenir grande parte das infecções, inclusive as assintomáticas, as vacinas de mRNA desempenharam papel fundamental na contenção da transmissão do vírus, especialmente nas fases iniciais de sua distribuição. Sua capacidade de induzir resposta imunológica robusta rapidamente contribuiu para quedas rápidas nas taxas de transmissão em populações altamente vacinadas.
Vacinas de vetor viral, como as desenvolvidas por AstraZeneca e Johnson & Johnson, utilizam um vírus modificado e inofensivo (geralmente adenovírus), para inserir o código genético da proteína spike do SARS-CoV-2 no citoplasma das células humanas, produzindo os RNAs mensageiros e finalmente, a proteína spike. Semelhante às vacinas de mRNA, isso estimula uma resposta imunológica contra a proteína spike. Embora tenham apresentado eficácia inicial levemente inferior à das vacinas de mRNA contra infecções sintomáticas pelo SARS-CoV-2, as vacinas de vetor viral ainda proporcionaram proteção substancial contra doença grave, hospitalização e morte. Ao reduzir a gravidade da doença, também contribuíram indiretamente para o controle da transmissão ao limitar a duração e intensidade da liberação viral em pessoas infectadas.
As vacinas de vírus inativado, como as produzidas pelo Instituto Butantan/Sinovac, representam uma abordagem mais tradicional. Essas vacinas contêm partículas inteiras do SARS-CoV-2 inativadas quimicamente ou fisicamente, incapazes de causar doença, mas capazes de desencadear resposta imunológica. Embora a eficácia primária contra a doença sintomática varie, elas demonstram, de modo consistente, bons resultados na prevenção de desfechos graves. Sua contribuição no controle da transmissão advém da redução da carga geral de infecção nas populações vacinadas, diminuindo assim o contingente de vírus transmissível.
Finalmente, vacinas de subunidade proteica, como a produzida pela empresa Novavax, entregam diretamente pedaços purificados da proteína spike do SARS-CoV-2 ao sistema imune, geralmente junto a um adjuvante para potencializar a resposta. Essas vacinas também se mostraram altamente eficazes na prevenção de COVID-19 sintomática e doença grave.
Em resumo, a diversidade de tipos de vacinas contra a COVID-19 impactou coletivamente o controle da transmissão do SARS-CoV-2 por diferentes vias. Enquanto vacinas de mRNA proporcionaram alta eficácia contra infecção, reduzindo diretamente o número de pessoas doentes, as vacinas de vetor viral, vírus inativado e subunidade proteica controlaram substancialmente casos graves, hospitalizações e mortes, limitando indiretamente a transmissão ao reduzir o total de vírus em circulação.
Entretanto, mesmo com a vacinação em massa, a partir do final de 2020 e a aceleração em 2021, os casos acumulados continuaram a aumentar anualmente, resultado do surgimento de variantes e de sua maior transmissibilidade. Contudo, a incidência de formas graves e mortes diminuiu em novas infecções ocorridas em populações altamente vacinadas. Ao fim de 2021, os casos acumulados globais chegaram a cerca de 287 milhões. Apesar do número absoluto de casos ser maior do que em 2020, o impacto em desfechos graves foi fortemente atenuado nas pessoas vacinadas. Portanto, essa abordagem diferenciada, apoiada por várias plataformas científicas, foi essencial para mitigar o impacto da pandemia, reduzir a propagação viral e avançar para uma fase endêmica da doença causada pelo SARS-CoV-2, onde os casos são clinicamente mais brandos, apesar de ainda ocorrerem casos graves em pessoas não vacinadas, muito idosas e/ou com comorbidades.
Entretanto, apesar do sucesso obtido com a vacinação infelizmente ainda temos que lidar com uma crescente hesitação vacinal, onde os efeitos colaterais das vacinas contra a COVID-19 são exagerados e, com isso, diminuem as taxas de vacinação e, consequentemente, a proteção da população contra a COVID-19, tanto individualmente como globalmente. Com base em dados globais da eficácia e efeitos adversos das vacinas, é importante destacar que, embora as vacinas contra a COVID-19, assim como qualquer intervenção médica, possam causar efeitos colaterais, eventos adversos graves são extremamente raros, especialmente quando comparados ao enorme volume de casos, hospitalizações e mortes por COVID-19.
A maioria dos efeitos adversos relatados é leve e passageira, como dor no local da aplicação, fadiga, dor de cabeça, dores musculares e febre. Na verdade, esses sintomas indicam o início da resposta imunológica mostrando que o nosso organismo está reagindo à introdução de uma proteína estranha ao nosso sistema imunológico. Os eventos adversos graves são raros, mas podem ser sérios, como miocardite/pericardite (inflamação do músculo cardíaco ou de seu revestimento, respectivamente) e síndrome de trombose com trombocitopenia (distúrbio raro de coagulação). No entanto, muitos estudos mostram que as taxas desses eventos são extremamente baixas. Por exemplo, anafilaxia (reação alérgica grave à proteína spike ou a outros componentes da vacina) ocorre em cerca de 5 casos a cada milhão de doses administradas.
Miocardite/pericardite tem sido observada predominantemente em adolescentes e adultos jovens do sexo masculino, geralmente dentro de 7 dias após a segunda dose de vacina de mRNA, mas a grande maioria desses casos é leve e se resolve rapidamente. Estes efeitos adversos são continuamente monitorados por sistemas robustos existentes globalmente (VAERS nos EUA e ANVISA no Brasil) garantindo que possíveis efeitos adversos sejam rastreados e investigados, trazendo transparência e reforçando continuamente o perfil de segurança favorável das vacinas. Para se ter um exemplo da segurança destas vacinas, até o início de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) relatou mais de 761 milhões de casos confirmados e 6,8 milhões de mortes globalmente, o que representa 8,9% dos casos de COVID-19. Por outro lado, o total de eventos adversos às vacinas é de cerca de 0,056% de todas as doses administradas, sendo os eventos graves ainda mais raros (0,011%).
Esse contraste ressalta que o benefício da vacinação na prevenção de doença generalizada, hospitalização e morte supera amplamente os raros riscos de eventos adversos. A opinião científica, em nível global e respaldada pela OMS, é de que as vacinas contra a COVID-19, independentemente da maneira que elas são produzidas, assim como qualquer produto biológico, apresentam efeitos adversos, mas são seguras e altamente eficazes, tendo sido instrumental na contenção da pandemia de COVID-19, pois sem o uso dessas vacinas, ainda estaríamos tendo um alto número de casos e óbitos. O exemplo dado aqui para a vacina contra a COVID-19 deve ser extrapolado para todas as doenças para as quais existem vacinas altamente eficazes, como por exemplo, a influenza, a poliomielite, o sarampo, a coqueluche, as hepatites virais, e tantas outras.
Benedito Antônio Lopes da Fonseca
Possui graduação em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1983), Residência Médica em Infectologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Mestrado em Epidemiologia e Saúde Pública (Área de Virologia) pela Yale University (1989) e Doutorado em Virologia Molecular – Yale University (1994). Atualmente é professor associado da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Doenças Infecciosas e Parasitárias, atuando principalmente nos seguintes temas: diagnóstico molecular de dengue e tuberculose, uso da técnica de PCR em virologia com especial atenção à dengue e infecções pelo HIV e HHV-8 (KSHV).