Meu amigo Pato

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Partilho com você a alegria de ver esse meu texto de memórias publicado no Jornal da Vila, que é dirigido pelo grande Fernando Braga. A ilustração é do amigo Cordeiro de Sá.

Vila Tibério, minha infância, meu amigo pato…

Jornal da Vila - O Papa e o Pato

Mais que ribeirão-pretano, sou vilatiberiense! Bairro operário, a Vila Tibério sempre foi reduto italiano e eu nasci aqui em 1966. A cidade ainda tinha cara de roça e para você ter uma ideia, quando meus pais namoravam, uma porteira que separava a Vila do centro da cidade. Se o Amilcar não atravessasse antes que o guarda a trancasse, teria que pular a cerca para visitar a amada Maria do Carmo.

Eu passava o dia na casa de minha avó e via aquela casa na rua Padre Feijó como um paraíso. O corredor lateral forrado de ladrilho virava meu campinho de futebol, onde eu batia bola com a vó – meu Deus, como a dona Geni tinha paciência! Enquanto a gente brincava feliz, minha irmã, Valéria, estudava piano, meu pai estava na repartição e minha mãe lecionava nos dois grupos estaduais, enquanto amamentava a Raquel.

Em meio a roupas que quaravam no varal, folhagens verdejantes e cheirinho de café com pão que anunciava o lanche da tarde, havia “o pato”. Sim, enorme e branco, ele morava no quintal e era o meu amigo pato! Falávamos pouco, mas era conversa séria sobre inquietações que só um pato e uma criança podem ter. Eu adorava alimentá-lo e ver a manobra esquisita que fazia com o pescoço ao beber água. Aquele foi um ano de muita amizade.

Chegou o Natal. Lembro de ganhar uma bola nova, uma camisa do Bota e um Kichute. É que minha família é botafoguense e meu tio Totó fez questão de me iniciar na tradição. Na ceia, pratos bonitos, frutas, doces e uma carne diferente que minha avó preparou e que todos elogiaram. No dia seguinte, fui mostrar meus presentes para o meu amigo e notei seu sumiço. Desesperado, procurei até embaixo da cama, mas logo entendi que ele teria viajado com os parentes, naquela formação triangular dos desenhos do Pica-Pau. O pato nunca voltou.

Depois dos meus quatro anos, nós nos mudamos. Eu tinha bronquite, a Vila tinha serrarias e isso não combinou. Continuei a visitar meu bairro, ora para rezar numa das sociedades espíritas, ora para preparar pescarias com meus amigos Bira, Marco e Tânia, filhos do seu Geraldo e da dona Tereza. O tempo passou, minguaram as galinhas dos quintais, os cavalos sumiram das ruas e o progresso barulhento tomou a Vila.

Hoje eu sei que fim levou o meu amigo, servido como fina iguaria. Lá se foi, goela abaixo, meu colega de um tempo bonito que todo mundo que já viveu aqui, de um jeito ou de outro, ainda guarda no coração.